1962

 

O ano era 1962, estávamos numa das famosas “festas do GRESSE”, que era um clube social que havia em Campina Grande na época. A sigla queria dizer: Grêmio Recreativo dos Subtenentes e Sargentos do Exército, mas era frequentando largamente pela sociedade local. Eram bailes que começavam às dez da noite, geralmente nos sábados, e iam até às quatro da manhã. O que acontecia nessas noites? Uma orquestra ocupava o palco e tocava música dançante. Podia ou não haver crooner, e vez por outra havia um show de um cantor ou artista convidado, que vinha “de fora”. A orquestra parava geralmente meia noite e meia para o show, e depois retomava para as danças.

Tudo muito singelo, quando a gente se debruça sobre o passado, e olha com os olhos de hoje; mas quem viveu aquilo, como eu vivi, achou o máximo enquanto estava vivendo! Era preciso saber dançar direitinho, e muitos namoros começavam nessas festas.

Eu tinha 15 anos, usando os tradicionais vestidos “de alcinhas” que as adolescentes usavam naquela época. Ao meu lado Cleuza (minha mãe), o casal Lisete e Amaury Capiba, Nilo Tavares (meu pai) e minha tia Anunciada, irmã mais nova de Mamãe, que era solteira.

Bebia-se rum Montila, cerveja e refrigerante.

A orquestra tocava coisas como Besame Mucho (no famoso arranjo de Ray Conniff), mambos de Perez Prado, sambas, boleros…

 

1965

Rolava nas rádios, e na TV preto e branco que apenas começava, o fenômeno da Jovem Guarda.

Roberto Carlos gravava “O Calhambeque”. Todas as meninas usavam: cinto Calhambeque, sapato Calhambeque, pulseira Calhambeque… Uma febre. Eu também usava. E já costurava toda a minha roupa, como o conjuntinho da foto, em mescla azul.

A foto foi feita na casa do Alto Branco, em Campina.

1953

Os “turcos” no Carnaval.

Papai, sempre criativo, inventava fantasias para nós e Mamãe executava. Eu tinha 5 anos e Braulio 2 anos e meio nessa foto.

Ele de calça azul de cetim e eu de saia de tiras de várias cores. Blusas de seda branca, coletes pretos bordados com lantejoulas, assim como as faixas da cintura. Na cabeça, Braulio usava um chapéu de cartolina coberto de areia prateada e eu um turbante roxo (que Tia chamava de “ciclâmen”, referindo-se à cor). Tia exigiu que usássemos tênis para poder “pular carnaval” sem machucar os pés…

A foto foi feita nas ruas de Campina e é impressionante a qualidade. O original está ali no meu álbum, e ninguém diz que se passaram quase 70 anos.

 

1952

Quando eu era pequena, muito pequena mesmo, nas noites tranquilas de Campina Grande eu sentava junto de papai enquanto ele lia o Diário de Pernambuco e ia me ensinando as letras. Foi a primeira coisa que aprendi a ler, as primeiras palavras da minha vida que decifrei: Diário de Pernambuco. E, quase sem meus pais perceberem, aos três anos e pouco, eu lia tudo. Sei que não tinha quatro anos ainda porque quando fui para a escola de Dona Madalena, na mesma rua, seis ou sete casas acima da nossa, do mesmo lado, no início de 1952, aos quatro anos, eu já sabia ler qualquer coisa que pusessem na minha frente.

Mamãe fez para mim uma farda escolar, inspirada nas capas dos cadernos que eram comuns naquela época, e que se compunha de uma saia de pregas de tecido azul com suspensórios sobre uma blusa branca, de mangas curtas e gola em ponta. Nos pés, alpercatas escuras. Compraram-me uma pasta para a Cartilha, a tabuada, e o caderno, além do lápis com a borracha enfiada na ponta, e uma sacola de tecido onde levava o lanche que era sempre um pão francês ora com goiabada, ora com ovo frito. E assim ataviada e apetrechada, logo que Papai saía depois do almoço eu ia para a escola, deixando minha mãe em paz para que pudesse dar seu cochilo da tarde.

Morávamos então na rua Alexandrino Cavalcanti, os “Paus Grandes”, como era conhecido o logradouro nos tempos antigos. Hoje a rua se chama João Alves de Oliveira, e a gente morava quase no cruzamento com a rua João Leôncio. A casa foi demolida para alargamento do cruzamento.

A escola de Dona Madalena, situada no lado direito de quem desce, logo antes do cruzamento, era uma escola típica daquela época. Em torno de uma mesa comprida, colocada no terraço dos fundos da casa da mestra, agrupavam-se cerca de dez ou doze crianças de diferentes idades, às quais ela simultaneamente ensinava e tomava a lição, cada uma das crianças estudando um conteúdo diferente. Uma no quarto ano, estudando no livro de História do Brasil para ser argüida logo depois, outra resolvendo um problema de matemática do terceiro ano, e a professora fazendo um ditado para as pequenas do primeiro ano que estavam aprendendo a escrever, como era o meu caso, com uma pequena diferença: eu era a menor, só tinha quatro anos, enquanto as outras tinham seis ou sete. A varanda era agradável, cheia de plantas e aberta sobre o quintal, também com muitas plantas, uma lavanderia onde às vezes alguém lavava a roupa que era estendida em arames e ao fundo o chiqueiro onde os porcos enormes e enlameados roncavam e fuçavam a lama. Vez por outra, um dos animais se libertava e arremetia sobre a mesa de aula, provocando uma debandada geral dos alunos e a minha rápida subida para cima da mesa, pisando livros e cadernos, apavorada com medo dos porcos.

A professora era aí dos seus vinte e cinco anos, metida em vestido estampado de mangas três quartos, muito composta e espigada, volta de ouro no pescoço, brincos nas orelhas e óculos. Era paciente comigo, mas logo surgiu um problema que ela comunicou a Mamãe: A menina não sabe soletrar. Ela sabe ler, disse Mamãe. Sabe, disse a professora. Mas não sabe soletrar. Isso porque a cartilha, que era a de Tomaz Galhardo, tinha frases assim:

vo-vó viu a a-ve

a a-ve vi-ve e vô-a

eu vi a vi-ú-va

vi-va a vo-vó

vo-vô vê o o-vo

a a-ve vo-a-va

Então eu ia lá e, ignorando os tracinhos, que eu não sabia para que serviam, lia: Vovó viu a ave, a ave vive e voa, eu vi a viúva, viva a vovó, vovô vê o ovo, a ave voava. Parava, e olhava para a turma que, pasma, olhava para mim, sem entender porque eu não lia como todo mundo, soletrando: vê-ó-vó-vê-ó-vó, vovó, vê-i-u-viu, viu, a, a-vê-é-vé, ave. Então combinaram Mamãe e a professora que ela me ensinaria a escrever, ensinaria os números e deixaria eu ler do jeito que quisesse.

Na escola, então, eu logo li a cartilha inteira e como os livros dos outros alunos ficassem espalhados sobre a mesa e a professora não me prestasse muita atenção, eu pegava um ou outro e ia olhando as figuras e lendo trechos ao acaso. Logo aprendi a escrever, com uma letra muito regular e caprichada – que ainda tenho.

E assim vou me lembrando.

1992

Em 1992 Braulio foi fazer um show em Campina.

Durante a passagem de som eu subi ao palco e tirei essa foto ao lado dele. É tudo falso, e eu não estou cantando.  

A foto vale por um dos meus trajes preferidos: minissaia e colete e botinhas jeans.

Essa saia tinha 35 cm da cintura até a barra. Era um sucesso.

Ainda tenho as botas e o colete, no velho baú das roupas heróicas, dos trajes de guerra.

1961

Braulio, com 11 anos; eu, com 14.

Num domingo, na granja do casal Odorico e Rosália, amigos dos meus pais.

 

1963

No dia 14 de dezembro de 1963 eu completava 16 anos de idade.

Numa festinha, na casa do Alto Branco, vieram os meus colegas do colégio onde eu cursava, ou acabara de terminar o 1° cientifico.

Eu mesma costurei o tubinho branco, com gola batida, enfeitado por um laço azul marinho com “pois” vermelhos. O cabelo no estilo “coque de mechas”, alto, eriçado e duro de laquê.

Na foto, Pedro Quirino meu irmão (9 anos), Papai (junto de mim de perfil), Braulio (13 anos, por trás de mim), Mamãe, Neuma (minha prima), Tia Odiza com Inês no braço, Tia Nunum e Zé Agra, com quem ela tinha um namoro. Entre Pedro e Papai, quatro colegas de colégio, destacando-se Ney Suassuna de óculos escuros.

Foi um dia ótimo, festa tranquila, sem bebida alcoólica, coisa rara lá em casa…   

 

1994

Em fevereiro de 1994 eu autografava o meu livro “Iniciação a Visão Holística” em Campina Grande, no Encontro para a Nova Consciência.

Usava um dos meus trajes preferidos: saia godê de malha verde escura, blusa colante preta e por cima um colete em patchwork colorido. Na cadeira minha bolsinha redonda de camurça que ainda uso. Os olhos muito pintados como eu gostava tanto.

Ao meu lado minha sobrinha Luana – que hoje é psicóloga em Salvador, me ajudando!

1987

Em dezembro de 1987 eu fui a Campina Grande para lançar o meu primeiro livro: “Bilhetes de Suicida”, meu único livro de poemas.

Animadíssima, dei entrevista a todas as emissoras de rádio e TV, publicaram matéria comigo em todos os jornais e à noite fui para a Livro 7, na Praça da Bandeira, para os autógrafos.

Não apareceu ninguém, somente minha família e a jornalista, a qual eu dei um livro e com quem me deixei fotografar.

Não vendi um livro sequer.

 

 

 

1948

Quando eu tinha uns seis meses, Papai, habilidoso com madeira, pegou um caixote de sabão e fez um carrinho para mim, dentro do qual eu podia ficar sentada e mamãe podia me empurrar.

Ela chamava o carrinho de “o 40” em alusão ao Ford anos 40.

Eu também usava um gorro na cabeça para me proteger do sol.